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domingo, 29 de abril de 2018
domingo, 7 de janeiro de 2018
domingo, 15 de outubro de 2017
A herança do Abade da Loureira
Pus-me a pensar e disse para comigo: porque não escrever sobre um assunto que possivelmente nunca foi falado, mas que em tempos deu algum brado nesta cidade de Braga, a dos "Arcebispos”?
É assim:
Meu pai, António Oliveira Braga, advogado em Braga e oposicionista ao regime de Salazar desde os estudos na Faculdade de Direito (v. https://antonio-oliveirabraga.blogspot.pt/), teve como cliente um célebre Abade, conhecido por Abade da Loureira, de seu nome completo António Dias da Silva.
Foi seu cliente até à morte, que aconteceu por volta dos anos de 1953-54-55.
Deixou testamento a favor de herdeiros que designou e um legado que mais ou menos era do seguinte teor: e o remanescente da minha herança às Casas de Caridade de Braga.
O problema começou precisamente aqui, qual era, o de saber quais eram as casas contempladas naquela fórmula.
Havia que definir/precisar quem seria admitido na repartição do bolo, ou seja, da herança, que atingiria na altura os 30 mil contos.
Mas, a principal interessada e por natureza habilitada era a Santa Casa da Misericórdia de Braga, que era composta por indivíduos fortemente ligados ao regime vigente e à Igreja Católica, melhor, ao clero brácaro.
Por isso, não conviria que fosse aquele advogado a tratar do assunto, pois estava conotado com a oposição ao regime (na altura, chamavam o reviralho).
Daí que saltaram para outros advogados: o Jaime de Lemos e o José Catalão, figuras gradas ao regime e com ele coladas, bem como à Igreja de Braga; aquele, era um católico ferrenho, com iniciação e prática até nos chamados cursilhos de triste memória, em nome dos quais chegou a fazer várias subidas de joelhos ao Sameiro desde Braga; este, o Catalão (a quem apodaram, por ser teimoso e pouco amigo de acordos, o Catanão), um católico também arreigado, mas só de confissões e de missas.
E, assim, aquele assunto foi entregue a ambos por três vezes: de início, o Jaime, depois o Catalão e, por último, outra vez o Lemos.
De todas essas vezes nada foi resolvido e, nas mãos deles, sempre ficou tudo em águas de bacalhau, ou seja, o dinheiro e bens continuaram depositados no banco (ou bancos), sem que desse qualquer rendimento (o que, de resto, e diga-se de passagem, era norma do regime salazarista, pois o seu arauto, o Salazar, que, em todos os anos de poder, nunca foi Ministro da Economia – nem mesmo em substituição! -, era defensor acérrimo do entesouramento). Quer dizer: durante dez anos em que tiveram o assunto nas mãos, nada fizeram de positivo, em ordem a poder ser levantada a fortuna deixada pelo Abade.
Mas, há aqui dois fenómenos curiosos. Um deles relacionado com o Jaime de Lemos.
Este, quando se apercebeu de que não sabia resolver o assunto – o que acontecia também com outros – procurou, por artes de sacristia, saber da opinião do Oliveira Braga, a quem sabia ter tirado (roubado, em gíria) a questão; vai daí, seguiu um conselho, apanhado por vias traversas de um mesário da Santa Casa, conhecido por Cruz (sogro de uma das “viúvas” do Santos da Cunha). E que conselho era esse? O Cruz dava-se bem com o Oliveira Braga e encontrou-o um dia na Arcada, em frente ao saudoso Café Astória (digo saudoso, porque, embora ainda exista, é muito diferente do que era…), tendo-o inquirido sobre a resolução do assunto (já se vê que a mando do cínico Lemos); o Oliveira Braga, disse-lhe, então, candidamente: “ah, isso resolve-se com uma habilitação!….
Claro que o Cruz foi a correr contar ao Lemos e este não esteve com meias medidas; oportunista sabido e precipitado, nem sequer pensou: correu também para o notário e “mandou” elaborar uma escritura de habilitação com as casas de caridade que conhecia habilitadas. Só que depois desta, apareceram-lhe outras instituições que reclamaram também direito ao bolo, intentando acções em tribunal para impedirem a repartição pelas habilitadas em escritura notarial, o que conseguiram.
E com o Catalão, também houve algo de caricato. Também de forma oportunista, lembrou-se ele - ao saber do destino da choruda herança do Gulbenkian - de criar uma Fundação com o largo pecúlio do Abade, a que chamou obviamente Fundação Abade da Loureira. Elaborou os Estatutos respectivos e enviou-os para o então Ministério do Interior e, pasmem, este rejeitou-os, apesar de emanarem dum apaniguado do regime, que foi até Presidente da Câmara de Terras de Bouro, cujo cargo era, na altura, como se sabe, por nomeação do Ministro. E rejeitou sem mais, devido à impossibilitdadem de levantar a verba dos bancos, que se opunham a tal, pois não atribuíam legitimidade à engenhosa fundação catalónica.
Espertezas salóias, quer de um quer de outro!... E acrescentarei: espertezas salóias de alguns de Braga!... Que só serviram para atrazar a resolução, ou, na mais baixa perspectiva, para a cobrança de bons honorários à instituição por parte deles!
Finalmente, o assunto acabou por ter o seu epílogo: e quem o resolveu foi sim aquele Oliveira Braga, servindo-se de uma habilitação, sim, mas judicial (e não notarial)…
Coisa que era difícil de apanhar ao Lemos, pois este meio processual era pouco conhecido e até pouco usado.
Por esta forma, habilitaram-se todas as casas com legitimidade para tal e o pecúlio deixado pelo Abade foi condignamente distribuído!
Só que, para este desenlace, foi decisiva a determinação do mencionado Santos da Cunha, que apesar de ser um seboso apoiante do regime, tinha visão periférica das coisas (veja-se as obras que impulsionou em Braga durante a sua presidência da edilidade). Foi ele que, numa reunião dos mesários da Santa Casa no ano de 1966, impôs que o assunto fosse definitivamente entregue ao Oliveira Braga, até porque aqueles advogados da situação não revelavam capacidade para a sua resolução…
Sic transit gloria bracrensi!...
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