quarta-feira, 31 de março de 2010

O Medo das Palavras...

Imagens...

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Quatro fotos... DE HUMBERTO DELGADO (na última, à esquerda) COM O DR. ANTÓNIO OLIVEIRA BRAGA, SENDO UMA DELAS O TELEGRAMA, ONDE MANIFESTAVA HUMBERTO DELGADO A SUA SATISFAÇÃO PELA SAÍDA DA PRISÃO...





















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Mais fotografias.
Uma num comício durante A CAMPANHA DE HUMBERTO DELGADO EM 1958 e outra na SEDE DA CANDIDATURA EM BRAGA.




A propósito da campanha de Humberto Delgado, uma entrevista que não foi publicada, tal como é explicado abaixo.

Entrevista concedida ao «Diário de Lisboa», em Maio de 1958, que foi totalmente cortada pela censura e sobre a qual o entrevistado foi interrogado pela P. I. D. E. quando esteve preso em Junho do mesmo ano e que foi lida no Comício realizado em Guimarães nesse ano de 1958.


Na grave conjuntura a que chegamos, o Chefe do Governo só tem uma solução útil: renunciar aos seus pode­res e deixar que a Pátria siga o seu destino normal — afir­mou-nos o dr. António de Oliveira Braga, presidente da Comissão Distrital de Braga da Candidatura do General Humberto Delgado.
O dr. António de Oliveira Braga colocou-se desde a primeira hora, com franco entusiasmo e decidida coragem, ao lado do sr. General Humberto Delgado na sua Candi­datura à Presidência da República.
Ë uma personalidade muito conhecida e considerada em todo o Distrito de Braga, quer como advogado, quer como elemento oposicionista de intransigentes convicções, e a sua acção à frente da Comissão Distrital daquela Can­didatura tem-se desenvolvido com grande intensidade.
 sua volta estão reunidas numerosas pessoas de larga representação social, que o acompanham com a maior dedicação, perfeitamente integradas nos altos objectivos deste movimento.
Uma entrevista com ele estava, por isso, naturalmente indicada. Procuramo-lo, pois, na sede dos Serviços de Candidatura de Braga, numa destas últimas noites, e ali quisemos ouvi-lo, ainda que desviando-o, por uns momen­tos, das suas preocupações e canseiras, que lhe absorvem agora todo o tempo e toda a atenção.
Como sempre, a sede regorgitava de simpatizantes e aderentes, gente de todas as categorias sociais que ali ia levar o seu apoio à causa do valoroso General, apoio expresso por mil formas, e só a sua amizade pelo nosso jornal permitiu que, amavelmente, se distraísse das suas tarefas.
Começamos por perguntar:

— Como aprecia V. Exª. o actual momento político? Sem hesitar, logo respondeu:

— Esta é mais uma etapa, e sem dúvida a mais impor­tante, da luta em que todos estamos empenhados para libertar a Pátria da Ditadura. Basta não ser cego para se verificar que o País, ao cabo de 32 anos de figurino único, cada vez está mais cansado e desiludido e que se aglutina imediatamente em volta de quem lhe prometer essa libertação. O espectáculo é patente. Em menos de duas semanas, um General, quase até então desconhecido do grande público, tornou-se um ídolo popular, uma figura representativa, uma força catalizadora tão poderosa que é necessário recorrer a mil estratagemas para a conter. E isto porquê? É simples: porque atacou frontalmente o ditador, porque não receou dizer aquelas verdades, aliás tão naturais, que todos os portugueses sentem e reconhe­cem, mas que não têm coragem de dizer alto e em bom som, como ele fez. A sua bravura, a sua valentia, a sua clareza e o seu «panache» conquistaram, num espaço pro­digiosamente curto, a alma nacional e creio que agora é já tarde para serem anulados os efeitos do seu apareci­mento na nossa cena política. É indiscutível que se trata de um oficial-general muito distinto, de inteligência pene­trante, culto, viajado, com vasta experiência dos proble­mas internacionais, de coração bondoso, afável no trato e rasgado nas atitudes, mas não foi esse somatório de qualidades que lhe deu a aura de que hoje goza em todos os quadrantes de Portugal. Foi exactamente a sua cora­gem, foi o seu desassombro, foi a sua interpidez moral e física que fascinou a multidão. Não importa saber de onde veio — nós, democratas, não queremos separar e isolar os homens, inutilizando-os, por meras considerações doutri­nárias; o que importa é saber para onde vai e o que quer. Nada mais belo e mais nobre do que um acto de contricção em público, sobretudo quando ele, como no caso presente, pode provocar riscos e consequências extremas para a sua carreira e até para a sua própria vida... pelo que se está a a ver, infelizmente.

— Porque aderiu V. Exª. tão incondicionalmente à sua Candidatura?

— Porque ela desde o início me pareceu a mais viá­vel. Mas eu penso que para sairmos do zero político a que chegamos—pelo esfacelamento de todas as correntes de opinião — é necessário admitir uma transição, ainda que o mais curta possível, com o apoio formal do Exército, a fim de evitar o caos que tão desvairadamente nos está a ser preparado. Como a ditadura destruiu o sedimento parti­dário da vida nacional, há que proceder a uma reorgani­zação prévia dos quadros políticos que traduzem as várias correntes e depois, numa atmosfera de ordem e esclare­cimento, proceder a eleições gerais. É delas que deverá partir a definição do futuro regime, embora seja incon­testável que a vontade geral do País se decidirá pelas formas democráticas de Governo. Sempre defendi (1), como a única exequível neste momento, a solução apresentada com tanta lucidez pelo sr. General Humberto Delgado. Um convalescente não pode entregar-se repentinamente às suas actividades normais. Para mim, portanto, a Candidatura que apoio é eminentemente patriótica e sob essa luz deve ser observada.

— Qual a situação a que chegou o Governo, perante a unanimidade nacional de que V. Exª. já nos falou um dia e que agora tão expressivamente se manifesta em torno do General Humberto Delgado?

— O Governo perdeu completamente a simpatia das massas e até a compreensão das «élites» mais benévolas, não só porque já esgotou «toda a sua capacidade resolutiva, tanto no domínio político como no social, mas tam­bém porque pactuou impudicamente com a plutocracia, deixando-se enredar numa teia de interesses inconfessá­veis e ilegítimos. Perdeu todo o idealismo que porventura nos primeiros anos ainda arrastou uma falange de ingé­nuos e bem intencionados portugueses, Não soube romper a tempo com as ambições e os egoísmos vorazes que con­sentiu no seu seio e hoje é uma espécie de barcaça a des­mantelar-se vogando ao sabor da corrente... Economica­mente, já não pode ir mais longe (e bem perto foi) sem atraiçoar o seu próprio ideário; politicamente, abriu um fosso, já intransponível, entre si e a Nação. Um dos seus mais proclamados e vistosos objectivos consistia em fomentar a unidade nacional, em pacificar a família por­tuguesa, em estabelecer a concórdia e a disciplina, mesmo à custa de profundos sacrifícios materiais e espirituais.
E que resultou desses sacrifícios, traduzidos pela supressão das liberdades públicas e pela austeridade, melhor: pela mesquinhez do nosso teor de vida? Valeram a pena, realmente, esses sacrifícios, ao fim dos quais, como dizia o chefe do Governo, se redimiria a Pátria? A res­posta está dada — e já foi dada algumas vezes — mas agora com uma espantosa nitidez. Como pode sobreviver um Governo que desencadeou contra ele as forças mais antagónicas, unidas sinceramente para alcançarem uma única finalidade? De resto, dentro dos seus próprios áulicos o desentendimento é bem transparente. Foi mesmo já sacrificado o princípio de uma continuidade mantida a todo o transe e apontada como uma das suas maiores virtudes!

— Que entende então do futuro desse Governo?

— Como todos temos visto pela propaganda da União Nacional (esse mito que é, no fim de contas, o pseudónimo do próprio Governo) nada existe em Portugal de efectivo e permanente fora do ditador. Endeusado até ao invero­símil, só falta pesá-lo a oiro e a diamantes, como fazem os ismaelitas ao príncipe Aga Khan! Perdeu-se a noção das proporções e o sentido das realidades obliterou-se de tal modo que parece haver um único homem no Mundo capaz de desafiar com êxito as leis fisiológicas: é o dita­dor, o eterno, o que vencerá a velhice e a morte. Nem se repara que está próximo daquele limite de idade para o exercício das funções públicas que ele mesmo prescreveu... Admitindo, se é que os seus escassos prosélitos se não ofendem com o sacrilégio, que ele virá um dia a abandonar a sua olímpica posição, pode perguntar-se, penso que com alguma lógica, o que irá suceder a um Governo assim decepado sem guia e sem mística? A tese dos poucos que o seguem, vendados os olhos e paralizado o raciocínio, parece provir do velho ditado: — «enquanto o pau vai e vem, folgam as costas...». Mas será isto governar com clarividência, honestidade e patriotismo? Governar não é sobretudo prever?

— Nesse caso...— íamos a atalhar, mas logo o dr. Oliveira Braga replicou:

— Nesse caso, se é que entendo desde já o seu pensa­mento, o chefe do Governo só tem uma solução útil na grave conjuntura a que chegamos, grave por não ter pers­pectivas de futuro, nem sequer condições para o presente: renunciar patrioticamente aos seus poderes discricioná­rios e deixar que a Pátria siga o seu destino normal, vol­tando à legalidade republicana de onde foi desviada por uma aventura imprudente. A sua própria humildade de católico, superior à vã glória de mandar — e mandar con­tra a vontade explícita dos seus concidadãos — decerto lhe indicará esse caminho como aquele que um homem aos setenta anos não vacilará em aceitar de bom grado. Acreditará ele nas lisonjas dos que o cercam e, no fundo, apenas procuram prolongar a manutenção das suas sine-curas e a distribuição das abundantes benesses com que têm sido premiados?

— Na verdade — acrescentamos — o panorama actual da nossa existência política não é nada favorável ao chefe do Governo...

— Não é preciso alongar-me em comentários a esse respeito. A lição extraída da Candidatura do General Humberto Delgado é definitiva. O chefe do Governo con­citou contra si, pela sua obstinação, a discordância da esmagadora maioria do país. Foi feito já um plebiscito. A causa do nosso Candidato está triunfante. É impossível deixar de tirar dos factos conclusões positivas.

— No seu entender, qual teria sido a grande hora para que o chefe do Governo se retirasse?

— No fim da guerra, em 1945. Então o país levan­tou-se, quase de surpresa, contra a ditadura, e reclamou os seus direitos, mas foram-lhe negados e perseguiram-se aqueles que, confiados na lealdade alheia, revelaram as suas opiniões. Fantástico! Ideologicamente, ela tinha tam­bém perdido a guerra, visto que a vitória pertenceu às democracias e nem o apressado e inconsistente sofisma da «democracia orgânica» pôde encobrir o fracasso. Os ser­viços que, durante esse período da guerra, teve oportunidade de prestar ao país — e prestou-os porque era então o detentor do Poder como sempre, pela força e pela tira­nia —, através aliás de atitudes criticáveis, foram já pagos com juros dobrados pela submissão imposta durante treze anos e pela falência económjca-social de que hoje somos vítimas. Não acha que está principescamente pago?

— E agora?

— Já o disse atrás. O bom senso e a devoção patrió­tica indicam há muito um único caminho ao chefe do Governo: a sua renúncia ao Poder, renúncia voluntária e, direi mesmo, nobremente cristã. Quanto mais tarde esse caminho for tomado mais severo será o julgamento da História, porque mais trágicas poderão vir a ser as con­sequências da demora. Sempre que tenho falado e escrito sobre este tão doloroso tema, nunca deixei de o afirmar abertamente. Hoje, mais que nunca, sinto que tenho razão.
Fui aluno do Dr. Oliveira Salazar, adimirei-o como Mestre, acompanhei-o numa saudosa jornada académica a Ëvora, e, em nome da Pátria, peço-lhe, a tantos anos de distância, que medite nas minhas palavras... de obscuro mas apaixonado português.

(1) Ver o meu recente opúsculo: «Nas quatro «liberdades»... de um Governo Trintenário».

Discurso sobre o Poder Judicial

Passamos a incluir um discurso feito no longínquo ano de 1972, onde já se frizava e lutava pela independência do poder judicial face ao poder político.
Tema actual e candente, sempre e sempre nas mentes das pessoas...
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Poder Judicial*
Del Vecchio, na sua Teoria do Estado, proclamou esta verdade que orientará tudo o que vou dizer sobre o Poder Judicial:
«O Direito, na sua mais alta expressão, como pura justiça, é superior ao Estado; não é, portanto, essencialmente político. Ao menos diante do Tribunal da Razão, não deve a justiça inclinar-se perante o Estado, mas este perante aquela».
Ë assim que, sejam quais sejam os fundamentos da legitimidade do poder político por que optemos, o certo é que desde os inícios do desenvolvimento da ciência política, todos os doutrinadores estabele-cem» ao lado do poder legislativo e do poder executivo, um.outro poder de autoridade judiciária, ao qual incumbe aplicar as leis na dupla forma de jurisdição e de execução.
Jurisdição enquanto define o Direito (jus dicere) e execução enquanto impõe e torna obrigatório o cumprimento do Direito definido.
Todo o governo dos povos encerra em si mesmo o germe dos pode-res legislativo, executivo e judiciário.
Se todos estes poderes se reúnem num só homem ou numa só assembleia teremos o absolutismo, entrando assim em completa crise a liberdade individual.
A garantia desta liberdade individual só pode alcançar-se através da divisão ou contrabalanceamento daqueles poderes, ou seja, desde que uns fiscalizem os outros; só assim poderemos chegar a estabelecer um verdadeiro Estado de Direito.
Locke, o célebre pensador inglês, preconizou em 1690 a bipartição dos poderes em legislativo e executivo, por ter entendido que o poder judiciário estava absorvido pelo executivo.
Esta teoria do Estado sofreu repensada meditação a Montesquieu, um século depois, em 1784, o qual no seu luminoso trabalho De 1'Esprít des Lois adoptou a forma tripartida dos poderes do Estado, em que o Poder Judicial adquire importância igual aos restantes com a competência exclusiva de velar pelo cumprimento das leis por parte dos dois restantes poderes e com o escopo salutar de garantir e defender a liberdade individual dos cidadãos.
Será aqui de notar que as críticas que têm sido formuladas à teoria de Montesquieu carecem de fundamento sério, visto que seria atraiçoar o pensamento deste insigne enciclopedista dizer-se que os seus princí-pios redundariam num condenável imobilismo da máquina estadual dado que cada um dos poderes entorpeceria ou paralisaria a acção dos restantes.
Ê que Montesquieu, na formulação da sua doutrina, parte do princípio esclarecido, a que chamou «uma experiência eterna», de que todo o homem que detém o poder é naturalmente levado a abusar dele, e de que esse abuso só se detém quando encontre limites.
«Pour qu'on ne puisse abuser du pouvoir il faut que, par Ia disposition des choses, le pouvoir arrete le pouvoir».
Vemos, assim, que o sistema de Montesquieu representa um notável aperfeiçoamento das doutrinas já em voga em Inglaterra desde Locke, e diremos também com o eminente juiz inglês Sir William Blackstone, nos seus Commentaries on the Laws of England: «Se Montesquieu nos aparece como discípulo dos Ingleses, é certo que lhe coube depois ser mestre deles» (1).
A evolução verificada posteriormente, já mesmo na Constituição Americana de 1787, norteou-se pela influência decisiva do Espírito das Leis, cujos princípios vieram a obter plena consagração, como doutrina do exercício da Soberania, na Revolução Francesa de 1789.
Implantada a era burguesa sob a égide da Democracia, que ofereceu ao Mundo os deleites da Belle Epoque, vieram a seguir as grandes heca-tombes provocadas pelas duas Grandes Guerras, que geraram choques tremendos entre os sistemas capitalistas e os regimes liberais e entre a democracia e as formas totalitárias do governo e por forma tão violenta e destruidora que, em muitos casos, foi postergado, o princípio da divi-são dos poderes de Estado, em nome de uma aberrante e avassaladora actividade política que quis imprimir ao Executivo o predomínio abso-luto e absorvente, com fórmulas adrede criadas, como se se estivessem a refundir todas as velhas doutrinas sobre a legitimidade do poder.
Em todo o caso, e regressando ao nosso tema — é de notar que a ju-risdicidade, a largos espaços precária, constituiu — e constitui — o grande baluarte da defesa dos direitos humanos, garantida pelo Poder Judicial, ainda que com novas designações e com manifesto propósito de ser diminuído, por várias formas, na sua salutar acção.
Ê que a independência dos tribunais, valor ou até super-valor sensível, nunca foi ostensivamente desrespeitada como elemento fundamen-tal dos princípios mínimos do Estado de Direito, que aliás todos se arrogavam.
E será justíssimo salientar que, diminuída ou circunscrita embora a esfera da sua autoridade tutelar, o poder judiciário ordinário soube sempre manter, em todos os países, no terreno que lhe era afecto, a dignida-de de uma alta e nobre função que dá a cada um a certeza da sua segu-rança, sem o que o homem, inquieto com as ameaças à sua liberdade, aos seus bens, à sua própria existência, teria necessariamente de deses-perar ou de soçobrar.
É esta prova inconcussa, dada pelo Poder Judicial, aquilo que mais o destaca e acredita, exigindo que a sua independência seja efectivada com força legal por um ordenamento sistemático, não em benefício dos outros poderes do Estado mas em vista do fim que a reclama: — a defe-sa dos direitos humanos.
O Estado de Direito só existe quando haja um Poder Judicial livre, autónomo e independente, que, sem cuidar da coisa política, seja o garante do cumprimento das leis, tanto por parte dos governantes como dos governados.
Entre nós a primeira Lei é a Constituição que, rígida como é, impli-ca a subordinação das leis ordinárias aos seus preceitos.
Aqui defendemos pois, a criação imediata de um Tribunal de Çons-titucionalídade, aflorado já de resto no § 1.° do art. 123.0 da nossa Cons-tituição (Reforma de 1971), tribunal que deverá julgar com força obri-gatória.
Reiterarei, por isso, agora, a sugestão que um dia apresentei na imprensa, na qual propugnei por que um § único do citado art. 123.° ficas-se assim redigido:
«Suscitada a questão da inconstitucionalidade, o incidente sobe em separado ao Tribunal de constitucionalidade a fim de ser emitida decisão obrigatória para todos os Tribunais e autoridades administrativas».

António Oliveira Braga

(1) Seja-me entretanto permitido recordar (já que estou a falar do grande Montesquieu, cuja teoria do Estado, para mim — sobretudo nos seus reflexos directos sobre a competência do Poder Judicial—não está ainda desmentida como aspiração presente) seja-me permitido recordar, ia eu dizendo, neste ano de 1972 em que, nós portugueses celebramos mais um centenário da publica-ção dos Lusíadas, que aquele eminente filósofo, na própria obra De 1'Esprït des Lois, LXXI, cap. 17, nos presta uma quente home-nagem que se traduz neste tocante passo:
«A descoberta de Moçambique e Calicut foi cantada por Camões, cujo poema faz sentir alguma coisa dos encantos da Odis-seia e da Eneida».
* Discurso proferido na sessão inaugural do Colóquio sobre Organi-zação Judiciária, promovido pela Associação Jurídica die Braga, em 18-10-1972.

DISCURSO NA CAMPANHA ELEITORAL (1961)

Breve introdução

No ano de 1961, realizaram-se eleições para a então chamada Assembleia Nacional, tendo-se organizado em Braga duas listas da oposição ao regime.
A que respeita ao discurso infra (lista "B"), surgiu como independente e separada daquela que tinha sido formada com o PC e que era tida como de "unidade" oposicionista. Podemos dizer que nela (nos seus elementos) está a base, o alicerce da que se formou posteriormente em 1969 e que surgiu aos olhos das pessoas sob a égide da CEUD, o que, em Braga, é falso, porque só havia dois elementos afectos ao Mário Soares e que faziam a ponte com ele, aqueles que se designaram atrás por “oportunistas” (na verdade, o trabalho político por eles desenvolvido limitou-se a aproveitar o que já estava realizado por outros e que tinham sido candidatos em 1961 e mesmo activos colaboradores na campanha de Humberto Delgado em Braga). Mas… essa é outra história, que será contada na ocasião própria!
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Eis o texto do mencionado discurso, dito no Teatro Circo de Braga.
Como dele consta, o Engenheiro Cunha Leal, baluarte da Oposição ao regime, presente na sessão, foi impedido de falar pelas autoridades da Ditadura.
Deverá ponderar-se que muitas das palavras usadas estão de acordo com a época, em que imperava toda a mentalidade (soi-disant bem pensante) imposta pelo regime (a Censura e a PIDE não deixavam ir mais além no emprego das palavras: era considerado um crime de lesa pátria o uso de palavras mais esclarecidas e porventura mais certeiras, tendo por objecto a mentalidade reinante).
Quanto aos nomes dos candidatos a que me refiro (que intervieram na campanha de 1961), remeto para o livro de Manuel Braga da Cruz, no qual enumera as várias campanhas eleitorais do regime e os nomes dos candidatos.
Uma referência, porém, a um colaborador que nunca foi candidato a deputado, mas que teve sempre participação activa (e fecunda) em todos os actos eleitorais, sobretudo na parte publicitária: Joaquim Nunes Cruz.
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Discurso proferido na sessão de propaganda eleitoral de 1961, no Teatro Circo de Braga, na qualidade de candidato a deputado.

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O Discurso(transcrição)

Senhor Presidente Minhas Senhoras Meus Senhores
Quando resolvi usar da palavra nesta sessão de pro­paganda eleitoral, a mim me pareceu, adivinhando já o caloroso ambiente que me ia rodear que o discurso escrito não corresponderia à vibração e entusiasmo desta hora alta de fé republicana e de belo sentido patriótico.
Eu sei que, quando há em tomo do orador uma assis­tência de cidadãos — como esta — empolgada pelo sagrado ideal da liberdade, — a linguagem se torna fácil e a sensi­bilidade apurada porque a força electrizante do auditório, o aquece e inspira.
Mas... nem eu sou orador— ai de mim! — nem pre­tendo ceder lugar à emotividade tão legítima e natural neste momento histórico em que todavia temos de medir as palavras que proferimos.
E é por isso que eu quero ser senhor — e ficar senhor — daquilo que vos vou dizer.
Consinta: Senhor Presidente, que as minhas primeiras palavras sejam de saudação ao ilustre Presidente de honra desta assembleia Senhor Eng." Cunha Leal, Democrata eminente, português de lei, cidadão valoroso, que se esqueceu sempre da sua saúde, da sua idade e até da sua vida para defender a causa suprema da nossa Pátria.
A sua presença aqui, posto que silenciosa (1), em nome de ditames autoritários, consagra mais uma vez, o rumo da sua luta e é para nós a certeza de que estamos no bom caminho — no caminho de um Portugal melhor, mais próspero, mais pacífico e mais unido, porque será o Por­tugal livre de amanhã.
Agradeço a V. Exª.", Senhor Eng.0 Cunha Leal, o sacri­fício da sua vinda a Braga, mas creia que todos nós sabe­mos extrair do seu exemplo a lição eloquente de civismo e de solidariedade que ela encerra.
Não posso deixar de lembrar também o nome do Prof. Mário Azevedo Gomes, grande condutor e orientador dos movimentos da opinião democrática do nosso País, alta figura de cientista e de patriota, que tem feito da sua existência um verdadeiro sacerdócio, em prol da semen­teira maravilhosa — ele que é um distinto agrónomo — dos ideais democráticos e republicanos.
A sua imagem, de homem de carácter impoluto, de austeridade inflexível e de inteligência poderosamente lúcida, está há muito no nosso coração e nele ficará até ao fim da nossa vida.
Quando uma causa tem a servi-la, no meio de tantas vicissitudes, — incluindo prisões em idade superior a setenta anos, — homens da envergadura moral e intelec­tual de Mário Azevedo Gomes — e igualmente de Jaime Cortesão, Abel Salazar, António Sérgio, Câmara Reis e Cunha Leal — não há dúvida que ela tem de triunfar e impor-se a todos os portugueses, como a grande e única causa da Inteligência, da Cultura e da Nação.
Quem tem a seu lado Mestres de tal grandeza não pode errar nem pode enganar-se?
Aos meus queridos companheiros das listas da Oposi­ção, que com tanta coragem se decidiram a demonstrar ao Governo que em Portugal ainda há quem se disponha a pugnar pelo futuro da Pátria para além das mistifica­ções da União Nacional, dirijo também um abraço fra­ternal, as mais efusivas saudações de admiração, de reconhecimento e de incondicional apoio.
Estamos na Roma Portuguesa, cujas glórias, como bracarense, tanto nos ufanam, até porque nelas se radicam os fundamentos históricos da Nacionalidade através da acção dos seus Prelados.
Sendo assim, nesta atmosfera de espiritualidade cristã, permita-se que distinga, com especial apreço o nosso ilustre colega de candidatura — Eng.º Lino Neto — da lista oposicionista de Lisboa, que nobremente, e dentro da mais pura concepção da sua doutrina, que é anti--totalitária, representa tão dignamente o protesto dos Católicos Portugueses contra o regime que há perto de quarenta anos nos oprime e domina — regime que para sobreviver, mesmo sobre ruínas, não hesita em prender, demitir, deportar os mais altos valores nacionais, sejam Prof. Universitários, Escritores de projecção interna­cional, Matemáticos insignes ou ornamentos luminosos da Igreja, como esse altivo Bispo do Porto, a quem daqui envio — a quem daqui certamente enviamos todos — tenho a certeza que me acompanhais — a mais comovida, respei­tosa e ardente expressão da nossa profunda homenagem!
Sim, estamos na Roma Portuguesa, na velha cidade dos Arcebispos, onde sempre foi prestado culto aos supe­riores e insubstituíveis Padrões do Espírito.
Recordo agora aquele distante ano de 1924, quando eu frequentava o liceu desta cidade.
Realizou-se, então, em Braga — estávamos em plena vigência do regime republicano, ai que saudades! e como a vida do País decorria já normalmente, depois da tor­menta ocasionada pela primeira grande guerra — aqui se realizou, ia dizendo o Congresso Eucarístico Nacional com um esplendor e uma concorrência que não mais foram atingidos.
Governava a nossa Arquidiocese esse intemerato e culto Prelado que foi D. Manuel Vieira de Matos. Efectuou--se sob a sua Presidência a mais grandiosa manifestação popular de Fé Católica de todos os tempos.
Na nossa Avenida Central a multidão aglomerou-se, enchendo-a totalmente, plena ide confiança e em absoluta ordem, no acto culminante do encerramento dessa memo­rável e bela jornada, em que a religiosidade a todos se comunicava como um fluido dulcíssimo.
Quem poderá ter-se esquecido desse dia inolvidável? Mas deixemos o passado já longínquo. Estamos numa sessão de propaganda eleitoral e deve­mos adaptar-nos aos seus objectivos que são sobretudo de esclarecimento da massa eleitoral da nossa terra.
Há quase doze anos, nesta mesma sala, tive ocasião de usar da palavra, quando da candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República.
Hoje, que aqui volto, movido pelo mesmo entusiasmo ideológico e pelo mesmo sentimento Pátrio, sinto que a sua memória adeja, paira sobre nós, a transmitir-nos a força impetuosa de um impulso e a convicção inabalável de uma doutrina.
Norton de Matos, é a Pátria engrandecida e renovada no nosso Ultramar, é o apelo angustioso, que o Governo nunca quis ouvir — porque se julga omnipotente e omnis­ciente — em prol dia salvação do património nacional.
(Mas antes dele já Paiva Couceiro — essa gentil e valorosa figura de cavalheiro andante da Pátria monár­quico convicto, que o Governo também exilou e perseguiu como se fosse um indesejável — já Paiva Couceiro havia prevenido os portugueses da verdadeira política que se devia seguir).
Norton de Matos, colonialista de larga visão, verda­deiro profeta, continua a ser um guia precioso e uma auto­ridade hoje aceite em todos os quadrantes da vida nacional. Hoje! — e porque não ontem quando a esmagadora maioria da Nação desejava que ele ascendesse à Presidência da República, como bem demonstrado ficou nesse extraordi­nário plebiscito que foi o Comício da Fonte da Moura, no Porto!
Voltamos agora aqui num período de campanha elei­toral, campanha anormalíssima, cheia de dificuldades de toda a ordem, de restrições de liberdade de falar, de reunir, de publicar, campainha concedida apenas para dar uma ideia de perfeita normalidade e de perfeita coesão dos portugueses.
Normalidade coesão... mas como pensou o Governo que eram possíveis normalidade e coesão em tais con­dições?
A União Nacional esfalfa-se em pedir, em nome dos bous próprios e mesquinhos propósitos de facção, uma unidade que, realmente, é necessária mas que jamais poderá 8er conseguida à custa da mísera submissão a que nos querem reduzir.
Em torno do Altar da Pátria, todos, republicanos, liberais, católicos monárquicos, socialistas, dissidentes do 28 de Maio, jovens que abjuram a União Nacional, embora se confessem nacionalistas, todos podem servir dignamente, o nosso querido e imorredoiro Portugal.
É preciso, todavia, que não haja exclusões e que se edifique ia verdadeira Unanimidade Nacional para que tenhamos força e direito perante os areópagos internacionais.
Uma das fraquezas da nossa posição no Mundo, neste momento, (resulta exactamente de não termos um Governo representativo, de não haver um Governo com autêntica sanção popular.
Usando-se de todos os meios e de todos os processos, tenta-se impedir, há mais de três décadas, ia colaboração activa de um vastíssimo sector, do sector predominante da vida nacional. E quando ele, esse sector, sentindo na carne e no espírito, o drama trágico e sangrento que lá longe, se está a desenrolar, então chama-se traidor àqueles que não pretendem senão oferecer as suas vidas e as suas faculdades em holocausto da Pátria,
Aqueles que prescindem dessa colaboração e que mutilam assim as nossas possibilidades de defesa e de resistência, esquecem-se de que amanhã a História lhe pedirá contas.
A União Nacional desejava que nesta hora conti­nuássemos separados, divorciados da Mãe Pátria.
Ela, que decretou eleições, — a União Nacional e Governo são sinónimos, visto serem presididos pela mesma individualidade — estranha agora que nos apresentemos ao acto eleitoral.
Pretendia ela que nos anulássemos, que nos neutrali­zássemos para especular com o nosso. silêncio, apontando-o como uma adesão tácita ou como uma forma de ser agra­dável ao Governo.
A Pátria não exige de nós o sacrifício dessa abdicação.
Pelo contrário. Todos seremos poucos para as grandes tarefas que nos esperam.
Não queremos fazer favores ao Governo; queremos servir a Pátria e para nós não há governos, por mais notáveis que sejam, que valham uma parcela da Pátria.
Além disso, temos respeito pelas nossas dignidades cívicas e acatamos a Constituição.
Ora, a Constituição promulgou-se para todos os por­tugueses; não é a Constituição da União Nacional é a Constituição Portuguesa.
Como nos apresentamos?
Dentro da mais estrita legalidade, cumprindo escru­pulosamente todos os preceitos constitucionais.
Quem desrespeita, e até ignora a Constituição é pre­cisamente o Governo, como se verificou pelo discurso do Senhor Ministro de Estado.
Se o Governo não tinha possibilidades de fazer as eleições ao abrigo das suas próprias leis, melhor fora tê-las adiado ou ter revogado os seus textos legais para que os juristas não pudessem discutir o valor constitu­cional das suas resoluções arbitrárias.
Tinha tudo na mão e podia continuar a sua política com permanentes medidas de excepção.
A corrente republicana e democrática não podia nem devia ficar indiferente perante o significado do acto eleitoral.
Colocamo-nos na honesta posição de competir nas eleições, expusemos as nossas reclamações disciplinada­mente, como sempre; elaboramos um manifesto que foi entregue ao Chefe de Estado em que apresentamos as nossas reivindicações e falávamos das circunstancias em que, por força dois princípios que informam o nosso ideário, desejamos que decorresse o prélio eleitoral.
Não temos sido atendidos.
Tudo isto porém nada tem que ver, nem de perto nem de longe, com o grave problema do Ultramar.
Trata-se ide uma competição entre nós, portugueses, para onde fomos lançados pela deliberação do próprio Governo.
Pretender, agora, a União Nacional, que Angola seja motivo para que os democratas portugueses renunciem à sua luta e à defesa dos seus princípios, é atitude perfei­tamente absurda, perfeitamente risível, perfeitamente imperdoável.
A nossa posição é por demais clara e inequívoca; o que está em causa é o fenómeno eleitoral que terá o seu termo nas urnas.
Se se entende que não é este o momento azado para
se pôr em causa o destino do Governo tivesse a União Nacional representado nesse sentido ao poder executivo, pedindo o adiamento das eleições.
Certamente seria atendida...
Sejamos coerentes e honestos.
Não se estabeleçam confusões com o caso de Angola e penitencie-se quem tem de penitenciar-se.
Entendemos que em face da hecatombe que tivemos de suportar ao longo da extensa fronteira com o Ex-Congo Belga, a única alternativa à vista de qualquer governo era reprimir o mais eficazmente possível a rebelião.
Mas isto já o afirmámos, todos nós, claramente no Manifesto que dirigimos à Nação.
Era um dever e um direito de legítima defesa.
Daqui, porém, a concordar com a política do Governo vai uma. enorme distância.
Não é de hoje, nem de ontem a nossa profunda dis-cordância com os métodos e os objectivos governamentais.
Em todas as campanhas eleitorais, desde 1945, nos erguemos resolutamente, e conscientemente contra o Governo e, então, não havia ainda Angola a ferro e fogo, nem ameaças sobre a índia ou sobre a Guiné nem sequer ataques violentos e injustos na O. N. U. contra o nosso País, porque nesse tempo Portugal não pertencia a esse Organismo.
Como haveríamos de modificar agora a nossa atitude, se é agora exactamente que a achamos mais consentânea com as realidades, mais correcta e certa perante a evolução dos factos e mais nacional, ante as exigências da actuali­dade e do futuro?
Nunca como hoje nos pareceu tão imperativa a ideia da Unanimidade dos portugueses e nunca, infelizmente, a Pátria esteve tão carecida do apoio e da solidariedade viva dos seus filhos.
Porque se persiste em conservá-la dividida?
A hora que passa é bem pequena para que possa perder-se qualquer esforço, abdicar-se voluntariamente de qualquer auxílio.
Aproveitemo-la depressa para realizar a sublime missão de pacificar e de unir a família portuguesa.
É a hora da chamada de todos, a hora do apelo às energias e aptidões de todos nós, e não a hora de escor­raçar os muitos que formam a indiscutível maioria da Nação.
B a hora em que se exige a constituição de um Governo de concentração nacional.
Todas as pátrias como todas as famílias se unem e confraternizam quando o horizonte se ensombra de perigos e interrogações.
Esta hora pode ser decisiva para os nossos destinos.
Teima o Mundo em não nos dar audiência naquelas graves questões que envolvem a integridade, a indepen­dência, a sobrevivência de Portugal, tal como o recebemos de nossos Pais.
Estudemos todos, lado a lado, de mãos dadas os pro­blemas que nos atormentam dentro da natural evolução contemporânea das ideias e das realizações, para assim melhor fazermos valer os nossos irrecusáveis e históricos direitos de soberania sobre todo o Território Nacional de Aquém e Além-Mar.
A tarefa é gigantesca e cada dia mais se avolumam as nesgas dificuldades.
É, portanto, uma tarefa urgente, a que nenhuns olhos se podem fechar.
Comecemos já o nosso trabalho de redenção mas pana isso há uma condição prévia: é que o Governo se não pretenda confundir com a Nação, com a sua estrutura moral e intelectual, com o seu palpitante fundamento de vida e de liberdade; é que o Governo não se acoberte atrás de Portugal, de Portugal que é de todos os por­tugueses.
(1) O Eng. Cunha Leal foi impedido de falar nesta memorável sessão pública pelas autoridades reaccionárias.

A ÚLTIMA DECLARAÇÃO...

E aqui vai a última declaração, que versa a política internacional do regime e também o entendimento que deveria ter lugar face à conjuntura e às posições de vários países que ostensivamente isolavam Portugal.
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(começo da transcrição)
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TERCEIRA DECLARAÇÃO

A política externa do Governo nos últimos anos

A inesperada demissão do titular da pasta dos Negó­cios Estrangeiros — tanto mais inesperada quanto é certo ter-se produzido num momento agitado da campanha elei­toral, em que parecia imperioso mostrar, por parte do Governo, uma perfeita coesão e um perfeito sentido de rumo, ao menos na fachada — permite-me abordar com mais liberdade o problema da política externa portu­guesa dos últimos anos.
Não se trata já agora de discutir com o Ministro nem de censurar a sua acção e a sua incapacidade. Como ambos somos candidatos a deputados — um, evidente­mente privilegiado, porque se socorre do apoio salvador da União Nacional, outro, em nome de uma oposição real­mente gigantesca e indomável mas submetida a todos os condicionalismos que a lei eleitoral possa mais ou menos habilmente fabricar e impor — podemos discutir e apre­ciar com clareza as linhas gerais dessa política, de que sempre aquele antigo ministro se tomou intérprete e que sempre tão enfatuadamente proclamou nas suas pitorescas conferências de imprensa.

Desde que eclodiu a vaga terrorista em Angola, a polí­tica externa portuguesa jamais esteve à altura das cir­cunstâncias e dos acontecimentos. Não deu um único passo em frente para esclarecer nem o país nem a. opinião inter­nacional.

Apelamos debalde em todos os tons para a interven­ção da O. N. U.; fizemos discursos melodramáticos no seu seio, agitando sistematicamente o perigo da expansão comunista para impressionar os Estados Unidos, a Ingla­terra, todos os Membros do Pacto do Atlântico a que ade­rimos à sobreposse, sabendo de antemão quanto era fictícia e eventual, apesar de nos custar largas somas de dinheiro e concessões lesivas da nossa soberania; convi­damos insistentemente o Secretário Geral da O. N. U. a visitar com todas as honras os nossos territórios ultra­marinos e ele sempre se recusou, não polidamente mas até em geral com aspereza; formulamos inúmeras exposições em que declarávamos estar a servir em África com o mais nobre desinteresse idealista, a causa da civilização ocidental; dispendemos porventura milhares de contos, durante alguns anos, em proporcionar digressões princi­pescas ao Ultramar a diplomatas, a escritores, a estadis­tas, a militares, a todo um mundo de ilustres individuali­dades com a esperança—ingénua esperança—de que, no seu regresso, elas nos prestariam a devida justiça em depoimentos pessoalmente confirmados; até que por fim desistimos em face dos magros resultados obtidos; ata­cámos abertamente a O, N. U. e muitas vezes nas suas votações quando se tratava do nosso caso, com surpresa e mágoa, verificámos que ficávamos em pleno isolamento e mais: que os nossos amigos e aliados ou votavam contra nós ou, o que em diplomacia significa a mesma coisa, cor­tês e piedosamente se abstinham, como há poucas sema­nas sucedeu quando, ao negarmos a nossa incursão na Zâmbia, a vizinha e aliada peninsular Espanha cautelosa­mente se absteve.

O Governo manteve há anos conversações directas com representantes africanos, mas elas não chegaram a qualquer conclusão e o país nunca foi informado do que então se passou.
Esta é a situação concreta a que fomos conduzidos nos derradeiros anos relativamente ao problema capital da Pátria que, por haver sido internacionalizado, só pode também encontrar uma solução condigna no plano inter­nacional.

Pouco a pouco fomos ficando desamparados, divor­ciados daquele conclave; «incompreendidos», como se cos­tumava lamentar o Dr. Salazar, não obstante termos pas­sado todo este período a suplicar, às claras ou entre basti­dores, movendo todas as possíveis influências para que nos viessem a compreender...
Aquelas «famosas» conferências de imprensa do cessante ministro tinham o mesmo .inalterável receituário: um violento e frontal libelo à intromissão da O. N. U. nas nossas questões internas (que todavia, paradoxalmente ligávamos à conjuntura internacional anti-comunista), um ataque velado, tímido, cheio de insinuações, de ironias e de mal disfarçadas acusações, aos nossos amigos e aliados, como os Estados Unidos e a Inglaterra, que entretanto não eram citados, e por último a defesa entusiástica, incon­dicional e maciça das nossas atitudes, das nossas posições e dos nossos direitos.

Nunca se passava disto e assim rolaram mais de oito anos sem um avanço, sem uma conquista, sem um pro­gresso. No final, seguia-se um lauto almoço... e a luta em África prosseguia.

Amarrados às comprometedoras e ostensivas amiza­des com os Estados Unidos Racistas da África do Sul e da Rodésia que votavam automaticamente ao nosso lado, como se a causa fosse a mesma, perdemos todo o prestí­gio das alianças e das amizades clássicas; e até o Brasil, esse fraterno e maravilhoso Brasil, para manter a sua coerência política, chegou a votar contra nós!

Esta é a política claudicante do Governo e outra não se lhe pode apontar até agora.

Estamos isolados e somos escarnecidos mesmo que tenhamos razão; mas ter razão é uma coisa e saber tê-la e defendê-la é outra.

Pugnamos pelo restabelecimento das relações diplo­máticas e económicas com todos os países do mundo, não só pelo imperativo categórico dos nossos interesses que já não podem ser encarados sob uma óptica regional ou continental, porque a vida internacional é cada vez mais gregária e interdependente, nesta época de glória cien­tífica e de prodigiosa expansão técnica, mas ainda porque pertencemos a uma organização de alto sentido universal.

Não se trata, como disse o ministro cessante no seu discurso de despedida, de trocar o Ultramar pelas boas graças de Moscovo ou de Praga trata-se, sim, de coexis­tência pacífica, da vasta confraternização humana, que tanto pode afirmar-se num congresso científico como numa competição desportiva ou na venda de uma partida de cortiça.

Essa exclusão é absurda e mutilante da ordem internacional — tão absurda como, por exemplo, manter rela­ções com Cuba, que é um país considerado marxista e cuja política de agitação doutrinária, e até de táctica de guerri­lhas, tem sido frequentemente verberadas pelo capitalismo americano do norte e do sul.
Como funciona a nossa Aliança com a. Inglaterra, que deixamos deteriorar?

Eis uma velha e amiga aliada que nos abandonou, que não confia em nós, que nos critica e que nos impõe o blo­queio marítimo do porto da Beira, não obstante as nossas reiteradas garantias de inocência quanto ao aprovisiona­mento de carburantes da Rodésia. E a própria Espanha, distante já de nós implicitamente, nos lança, a arguição de colonialistas quando reclama com firmeza a restituição de Gibraltar e quando, há anos, restituía a independência a alguns dos seus territórios em Marrocos.

Um país pobre como nós, subdesenvolvido, indefeso, sem marinha para a extensão das zonas oceânicas a defen­der, onde existem tantos núcleos dispersos de portugueses, não pode dar-se ao luxo ou à arrogância de se apresentar «orgulhosamente só».

Porque persistimos, agarrados às abas do casaco dos Estados Unidos em não votar no seu Conselho de Segu­rança a admissão da China Continental na O. N. U., embora quando das consultas guardemos passivamente a absten­ção? Devemos-lhe até a fidalga generosidade de respeitar em Macau os seus convénios seculares.
A China Continental, porque a da Formosa é um arti­fício construído e mantido pela esquadra americana tem sabido respeitar a integridade de Macau não obstante reconhecermos exclusivamente, pela via diplomática, com o seu representante acreditado em Lisboa, esse ilogismo geográfico de uma ilha governada por um fantoche de que a própria América um dia zombou.

Que diria o nosso Governo se amanhã se instaurasse na Ilha da Madeira um regime autónomo que a América reconhecesse e que não consentisse que fosse dominado pelas forças legítimas do nosso Continente?

Quando da usurpação violenta e cruel do nosso Estado da índia, que só por si desmentiu toda a sagacidade e todo o sentido realista ao nosso Governo, além de denunciar a falsidade dos postulados pacifistas de Neru, a China Con­tinental esteve a nosso lado, platonicamente, é certo, como todas as restantes nações, mas enfim com uma simpatia e uma solidariedade moral que, no fim de contas, nós não lhe merecíamos.

A política externa do país tem oscilado entre humi­lhações e ridículas manifestações de importância, de exte­riorização fútil e de fausto, como se fôssemos um país ainda perfumado pelo cravo e pela canela das Índias.
Quantos pequenos consulados se têm elevado a embai­xadas com o consequente dispêndio de verbas absoluta­mente inúteis! Embora os espaços internacionais de comu­nhão se hajam dilatado e as normas correntes da diplo­macia se tenham na verdade intensificado, pela incessante multiplicidade dos interesses e das comunicações, não há dúvida que temos exagerado na elevação de embaixadas em países que não as justificam de modo algum! Sempre a mania das grandezas, aquela mesma mania, que há anos nos fez recusar as verbas tão úteis para a nossa economia do Plano Marshall.

A República encontrou e manteve em altíssimo nível, com vultos intelectuais eminentes, as embaixadas mais representativas das nossas constantes geográficas e his­tóricas, pois são essas que determinam fundamentalmente, em toda a parte a definição do rumo de uma política externa. No nosso caso, essas constantes, a que importa imprimir o mais transcendente relevo, são as ligações com a Espanha, com a Inglaterra, com o Brasil e com a Amé­rica do Norte. Não pode concluir-se que, com essas potên­cias, as nossas relações nem sempre tenham sido claras, construtivas e íntimas nos últimos decénios.

Vale mais ter uma dúzia de apoios e de amigos sóli­dos e permanentes do que numerosas e dispersas relações com países subalternos e distantes, cujos agentes servem apenas para encher de esplendor mundano os jantares e as recepções de gala... um fingimento burlesco de grande audiência internacional.

É certo que se perdeu, dolorosamente, a fulgurante tradição, que vinha aliás da monarquia, da nossa vida diplomática, servida hoje por burocratas, por bacharéis, por funcionários de concurso, sem projecção nacional, con­finados aos seus deveres estritamente formais. Já não há um Teixeira Gomes, um João Chagas, um Duarte Leite, um Norton de Matos, um Alberto de Oliveira, um António Feijó, um António Luís Gomes, um Guerra Junqueiro, homens de superior estatura que tornavam maior e mais acatado o pais que representavam.

Encerrou-se a escola da diplomacia portuguesa e tudo passou a ser mercenário, funcional, subserviente.

Os grandes homens, capazes de nos representar lá fora, ou não se revelam ou se recusam para não servirem um Governo cujas directrizes mal entendem ou de que dis­cordam profundamente.

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(fim da transcrição)
*

Continuando...

Mais uma declaração, dada a conhecer naquela altura das "eleições de 1969", em Outubro.

Refere-se aí, de entre o mais, as promessas de Marcelo Caetano de abertura do regime, que nunca foram cumpridas.


SEGUNDA DECLARAÇÃO


Se for eleito...


Além da reforma constitucional que já apresentei na minha primeira declaração e que representa o primeiro passo jurídico a dar no sentido reformista, das institui­ções, venho agora enunciar os princípios de ordem política que me proponho defender.
Estou certo de que enquanto não for consentida, a constituição de três ou quatro partidos políticos que cor­porizem as grandes e dominantes correntes da opinião pública—tudo será ilusório, artificial, precário, desti­tuído de bases efectivas e perduráveis.
Sou, sem qualquer dúvida, adepto de todas as tenta­tivas para a união das forças democráticas nacionais mas com a indispensável condição de que ela conduza ao cabo dessa empresa aglutinadora, a uma independência ideo­lógica, a uma sistematização de meios, de objectivos, de fórmulas e de princípios.
O que afirmo categoricamente é que não penso aco-modaticiamente por qualquer cabeça nem sinto desapaixonadamente por qualquer coração e, mesmo dentro dos meus mais estimados e autorizados amigos e correligio­nários, tenho naturalmente as minhas variantes, e por­ventura as minhas discordâncias.
Sou por isso, aberta e decididamente contra o monolitismo da União Nacional — instrumento incondicional de todos os actos do Governo, de onde promanou a própria nomeação dos seus agentes e elementos directivos, visto que ela fecha as portas àqueles que não se colocarem submissamente sob a sua alçada. A sua estrutura de Par­tido Único repugna-me ainda que alguns dos seus postu­lados — no tocante à independência da Pátria, à unidade da família, à perseverança da ordem, da disciplina e da paz, ao progresso social e ao fomento económico e agrí­cola — possam merecer a minha aprovação.
Os caminhos que levam a esses supremos desígnios não são, porém, aqueles que a União Nacional autoritária e arbitrariamente aponta como exclusivos; há outro recei­tuário; há outras vias e estas têm de ser completamente discutidas, analisadas, confrontadas, batidas de sol — e isso só é possível, só será possível fazê-lo, em pleno regime democrático, sem contrafacções nem desvios.
Ora, um regime democrático — eis um dogma para a minha inteligência — pressupõe o funcionamento de par­tidos, e, portanto, enquanto eles não forem autorizados, sempre cairemos no vácuo ou na ditadura.
Por isto mesmo é que o País está despolitizado e que as forças díspares da Oposição — e até da união Nacional —aproveitam todas as ocasiões propícias e consentidas pelo Governo, para estabelecerem, ou melhor, improvisa­rem uma vigorosa coligação contra o existente, surgindo até em vários sectores, o que vem confirmar o que acaba­mos de expor.
É, pois, evidente que o Governo, que não devia ali­mentar ilusões a tal respeito, se desejasse eleições verda­deiramente representativas teria de ter instaurado pri­meiro a Democracia, nos moldes atrás propostos e então veria que os bons patriotas surgiam de todos os lados, devida e ordeiramente agrupados, cada um trazendo a sua mensagem para a nobre tarefa comum de redimir e engran­decer Portugal.
Por assim não ter acontecido verificou-se o inevitá­vel. — O apelo do Sr. Presidente do Conselho lançado em 27 de Setembro passado ficou lamentavelmente sem res­posta; mais; a resposta foi negativa, conforme a presente campanha eleitoral o demonstra indesmentivelmente.
Está esgotado o livro de cheques em branco que nos foi pedido e esperançosamente lhe confiamos e podemos até dizer que o último cheque usado em 11 de Setembro findo não tinha cobertura...
A presente consulta eleitoral para a Assembleia Nacio­nal parece-nos assim uma concessão sem efeitos práticos, uma vez que não pode ela traduzir, mesmo nas graduações regionais a que está submetida, as verdadeiras tendências dos eleitores.
Efectivamente, os candidatos da União Nacional representam obviamente o Governo, São em geral, seus serventuários.
E como está a manifestar-se a restante e diversifi­cada opinião do país? Através de quem? De deputados auto-classificados de independentes ou com classificações mal definidas?
Por muito dotados que sejam — no político, no inte­lectual, no social, no moral — que legítima representação se lhes poderá atribuir.
Sem qualquer dúvida; a de si próprios, o que julga­mos absolutamente insuficiente.
Quer dizer, o Governo impõe à Oposição os seus pró­prios vícios e defeitos políticos, pois conduz-nos para o abominável culto da personalidade.
Não defendemos uma multiplicação, uma pulveriza­ção partidária, falsa e nociva (para a evitar há muitos remédios eficazes) mas entendemos que a República é por essência Democracia e Democracia implica organização de Partidos.
Fora de uma genuína representação partidária que corresponda evolutivamente aos profundos anseios e às profundas mutações da natureza humana —, tudo redun­dará em pura dialéctica e em pura sanção de uns tantos sobre uns tantos.
De muitos ou de quase todos—NUNCA—.
Todavia e apesar de tudo, aceitei no campo legal— aliás de uma legalidade precária imposta pela facção gover­namental — a luta que nos é oferecida, pela razão sim­ples de que nós os da Oposição continuamos a querer mos­trar que existimos, que não estamos demitidos de nós próprios, já que em Portugal viver-se politicamente só pode ser: ou na União Nacional ou na Clandestinidade.
Ora, eu não aceito nem uma nem outra destas opções. Sou um homem livre que quer viver numa Pátria Livre.
É este o meu legítimo anseio e decerto o anseio de todos os eleitores do Distrito de Braga.

As Eleições de 1969 (CEUD de Braga)... 1ª. declaração

No ano de 1969, meu pai foi candidato da CEUD no distrito de Braga, ao arrepio da oposição interna de dois oportunistas, também candidatos na altura, o que levou a que publicasse individualmente três declarações em nome individual, assim sacrificando propositadamente o colectivo (os oportunismos podem ser também de braços cruzados, procurando simplesmente satisfazer-se com o desenrolar dos acontecimentos e até ajeitando as coisas a seu bel prazer…no sentido do aproveitamento desejado).

Aqueles dois oportunistas pretendiam que meu pai ficasse apenas como presidente da comissão distrital, mas houve alguém da assembleia que se levantou e impôs a sua candidatura. Esse alguém não era por eles controlado. Assim, saiu-lhes o tiro pela culatra... como aliás acontece quase sempre nas situações que envolvem injustiça evidente.


Ora, isso criou um clima (diria, de crispação) que se reflectiu nos acontecimentos posteriores (inclusive depois do 25 de Abril) e que levou a que houvesse tomadas de posição individuais, até porque aqueles dois oportunistas não eram capazes de fazer nada por si (ou mesmo colectivamente, como se viu). Aliás, como todo o bom oportunista, "viraram" simplesmente egoístas, o que em política costuma ter uma designação e um apodo...


Existiram três declarações (uma sobre reforma constitucional – Constituição de 1933 -, outra sobre reforma política e outra sobre política externa). É uma dessas declarações (a primeira) que passo a transcrever, sobretudo pela parte interessante aí expressa quanto a apreciação de inconstitucionalidade.


***
PRIMEIRA DECLARAÇÃO

Se for eleito..


Tentarei apresentar, logo no início parlamentar, um projecto de lei de revisão constitucional, uma vez que a próxima legislatura é constituinte, com o qual pretendo tornar a Constituição efectivamente e sem desvios, a base da Ordem Jurídica Nacional, propugnando, acima de tudo, pelo seu exacto cumprimento como tem de ser próprio de um Estado de Direito.
Nesse projecto de lei, serão aproveitados os princípios que já constam da Constituição actual, a saber:
a) o republicano, conforme o mostra o seu art. 5.°;
b) o liberal, como está expresso no seu art. 8.°;
no qual são consagrados os direitos fundamentais dos cidadãos;
e) os de ordem económica e social que merecerão reforma oportunamente;
d) o democrático, no seu art. 71.°, pois aí se diz que: «A soberania reside em a Nação».
À luz destes princípios e para deles extrair a sua máxima pureza, procurarei os meios que não permitam a sua adulteração, o que aliás se vem verificando desde o nascimento da nossa lei constitucional.
Este projecto de lei de revisão da Constituição é per­mitida pelos seus arts. 176.° e 177.°.
Concretamente, proporei a substituição das seguintes disposições:
O actual § 2.° do art. 6.°, que envolve conceitos e palavras inexpressivas, será substituída pela seguinte redacção:
Compete ao Estado:

6.° Promover o bem-estar social, assegurando a todos os cidadãos um nível de vida compatível com a dignidade humana».
No tão falado art. 8.°, sempre suspenso por decretos ditatoriais, o seu n." 8.° passará a ter a seguinte redacção:
«Constituem direitos, liberdades e garantias indivi­duais dos cidadãos portugueses:
8.° Não ser privado da liberdade pessoal nem preso sem culpa formada, excepto em flagrante delito, e, nos crimes puníveis com pena maior, por ordem escrita do juiz competente».
10.°... (o actual) com seguinte acréscimo:
... mediante advogado constituído ou defensor oficioso.
11.°— (deverá acrescentar-se)... «e não haver medi­das de segurança privativas de liberdade prorrogáveis indefinidamente por períodos sucessivos».
Serão suprimidos os §§ 3.° e 4.° deste art. 8.°, ficando apenas um § 3.° relativo ao Habeas Corpus, instituto que também merecerá reforma especial.
Ao art. 42.°, serão acrescentados dois parágrafos, assim:
§ 1.° (o actual art. 43.°) que diz: — «O Estado manterá oficialmente escolas primárias, complementares, médias e superiores e institutos de alta cultura.
§ 2.° (o actual § 3.°, do mesmo art. 43.°, a saber:
«O ensino ministrado pelo Estado visa, além do revigoramento físico e do aperfeiçoamento das faculdades intelectuais à formação do carácter, do valor profissional e de todas as virtudes morais e cívicas, orientadas aquelas pêlos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais no País.
Será proposto um novo art. 43.°, assim concebido:
Art. 43.° — Ê reconhecido a todos o direito à educação e ao acesso nos bens da cultura, independentemente da sua condição social e económica.
§ 1.° — São gratuitos o ensino primário e o ensino secundário, pelos anos estabelecidos na lei.
§ 2.° — O Estado promove a acção social escolar, tendo especialmente em vista a concessão de auxílios económicos aos alunos carecidos de recursos, tendentes a tornar-lhes possível ascenderem aos graus e ramos de ensino para que possuam reconhecida aptidão.
O art. 72.° passará a ser assim redigido.
Art. 72.'°—«O Chefe do Estado é o Presidente da República eleito pela Nação, através de sufrágio directo dos cidadãos maiores de 21 anos».
§ 1.° — O Presidente da República é eleito por cinco anos e só pode ser reeleito uma vez para o quinquénio imediato.
O art. 74.° seria pura e simplesmente suprimido por anti-democrático, pois que nenhuma razão há hoje para os parentes dos reis de Portugal serem excluídos de ascender à Presidência da República.
No art. 81.°, suprimir-se-á o poder conferido — no seu n.0 6.° — ao Presidente da República de dissolver a Assem­bleia Nacional e esse n.° 6.°, virá a ter a seguinte redacção:
Art. 81.° — Compete ao Presidente da República:
6º. — Exercer a chefia suprema das forças armadas, devendo ser mantido ao corrente em tempo de paz e em tempo de guerra de tudo quanto respeita à defesa nacional.
A este art. 81.°, aerescentar-se-á o número:
Compete ao Presidente da República:
10. Nomear os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, sob proposta do Conselho Superior Judiciário.
Art. 85.°—Será o actual, passando o mandato da Assembleia Nacional a ser de cinco anos, em correspon­dência com o mandato do Chefe de Estado, devendo os dois órgãos — independentes um do outro — ser eleitos ao mesmo tempo, prevenindo-se assim futuros possíveis con­flitos e a República seria encaminhada num sentido presi­dencialista, o que hoje não sucede, devido aos grandes poderes do Presidente da República sobre a Assembleia Nacional.
O art. 87.° será suprimido. Ao art. 93.°, acrescentar-se-á mais as seguintes alíneas:
Constitui matéria da exclusiva competência da Assem­bleia Nacional a aprovação das bases gerais sobre:
h) A definição dos crimes, das penais e das medidas de segurança.
i) a criação de impostos e as garantias admitidas em favor dos contribuintes;
j) a aquisição e a perda da nacionalidade portu­guesa ;
e) A organização dos colégios eleitorais previstos nos arts. 72.° e 85.°;
m) a regulamentação das garantias de processo penal previstas no art. 8.°;
n) as garantias contenciosas contra actos ilegais de Administração;
o) os direitos, deveres e garantias fundamentais dos funcionários públicos.
A'rt. 94.° — A Assembleia Nacional realiza as suas sessões com a duração de 5 meses, a principiar em 25 de Novembro...
Art. 109.° — Compete ao Governo:
2.° Fazer decretos-leis nos intervalos do funciona­mento da Assembleia Nacional (mantendo-se a parte restante).
Art. 117.° — Passará a ter a seguinte redacção:
«Não é permitida a existência de tribunais especiais com competência para julgamento ide determinado ou deter­minadas categorias de crimes, excepto sendo estes essen­cialmente militares».
Art. 123.° — O seu § único será substituído pelos seguintes termos:
«Suscitada a questão de inconstitucionialidade, o inci­dente sobe em separado ao Supremo Tribunal de Justiça, a fim de ser emitida decisão, a qual será obrigatória para todos os tribunais e autoridades admimistrativas».
Art. 133.° e seguintes:
Deverá este Título VII—Do Ulibramar Português— ser harmonizado com a Lei Orgânica do Ultramar de 1963, — que também merecerá revisão — até para se retirar da Constituição a palavra «colonizar» que tantos engulhos tem causado à Situação, posto que ainda exista, entre nós, a Companhia Colonial de Navegação.

São estes os propósitos imediatos e concretos do signa­tário, como candidato a deputado — aliás, em harmonia com os propósitos reformistas de «liberalização» que foram prometidos solenemente aos democratas portugueses, os quais anseiam pelo cumprimento da palavra dada.
Pois, é velho o adágio:

«A rico não devas e a pobre não prometas».

Em declarações que vão seguir-se o candidato signa­tário versará a solução política nacional que preconiza, bem como um estudo sobre a nossa posição perante o direito internacional público da actualidade.

***

Temos de pôr em relevo que tudo isto foi escrito debaixo de pressão interna e externa, ou seja, sob os olhos inquisidores dos dois oportunistas e também dos supervisores do regime (incluindo nesta fórmula conceitual todas as pessoas que de alguma forma exerciam autioridade naquela altura e que se limitavam a ser correios da então denominada PIDE, mais tarde apodada de DGS).
É caso para afirmar que é verdadeira a ideia de que os extremos se tocam…aqui, na vontade de coarctar a liberdade de expressão!...

Uma declaração no jornal República...em 14-10-1960