quarta-feira, 31 de março de 2010

As Eleições de 1969 (CEUD de Braga)... 1ª. declaração

No ano de 1969, meu pai foi candidato da CEUD no distrito de Braga, ao arrepio da oposição interna de dois oportunistas, também candidatos na altura, o que levou a que publicasse individualmente três declarações em nome individual, assim sacrificando propositadamente o colectivo (os oportunismos podem ser também de braços cruzados, procurando simplesmente satisfazer-se com o desenrolar dos acontecimentos e até ajeitando as coisas a seu bel prazer…no sentido do aproveitamento desejado).

Aqueles dois oportunistas pretendiam que meu pai ficasse apenas como presidente da comissão distrital, mas houve alguém da assembleia que se levantou e impôs a sua candidatura. Esse alguém não era por eles controlado. Assim, saiu-lhes o tiro pela culatra... como aliás acontece quase sempre nas situações que envolvem injustiça evidente.


Ora, isso criou um clima (diria, de crispação) que se reflectiu nos acontecimentos posteriores (inclusive depois do 25 de Abril) e que levou a que houvesse tomadas de posição individuais, até porque aqueles dois oportunistas não eram capazes de fazer nada por si (ou mesmo colectivamente, como se viu). Aliás, como todo o bom oportunista, "viraram" simplesmente egoístas, o que em política costuma ter uma designação e um apodo...


Existiram três declarações (uma sobre reforma constitucional – Constituição de 1933 -, outra sobre reforma política e outra sobre política externa). É uma dessas declarações (a primeira) que passo a transcrever, sobretudo pela parte interessante aí expressa quanto a apreciação de inconstitucionalidade.


***
PRIMEIRA DECLARAÇÃO

Se for eleito..


Tentarei apresentar, logo no início parlamentar, um projecto de lei de revisão constitucional, uma vez que a próxima legislatura é constituinte, com o qual pretendo tornar a Constituição efectivamente e sem desvios, a base da Ordem Jurídica Nacional, propugnando, acima de tudo, pelo seu exacto cumprimento como tem de ser próprio de um Estado de Direito.
Nesse projecto de lei, serão aproveitados os princípios que já constam da Constituição actual, a saber:
a) o republicano, conforme o mostra o seu art. 5.°;
b) o liberal, como está expresso no seu art. 8.°;
no qual são consagrados os direitos fundamentais dos cidadãos;
e) os de ordem económica e social que merecerão reforma oportunamente;
d) o democrático, no seu art. 71.°, pois aí se diz que: «A soberania reside em a Nação».
À luz destes princípios e para deles extrair a sua máxima pureza, procurarei os meios que não permitam a sua adulteração, o que aliás se vem verificando desde o nascimento da nossa lei constitucional.
Este projecto de lei de revisão da Constituição é per­mitida pelos seus arts. 176.° e 177.°.
Concretamente, proporei a substituição das seguintes disposições:
O actual § 2.° do art. 6.°, que envolve conceitos e palavras inexpressivas, será substituída pela seguinte redacção:
Compete ao Estado:

6.° Promover o bem-estar social, assegurando a todos os cidadãos um nível de vida compatível com a dignidade humana».
No tão falado art. 8.°, sempre suspenso por decretos ditatoriais, o seu n." 8.° passará a ter a seguinte redacção:
«Constituem direitos, liberdades e garantias indivi­duais dos cidadãos portugueses:
8.° Não ser privado da liberdade pessoal nem preso sem culpa formada, excepto em flagrante delito, e, nos crimes puníveis com pena maior, por ordem escrita do juiz competente».
10.°... (o actual) com seguinte acréscimo:
... mediante advogado constituído ou defensor oficioso.
11.°— (deverá acrescentar-se)... «e não haver medi­das de segurança privativas de liberdade prorrogáveis indefinidamente por períodos sucessivos».
Serão suprimidos os §§ 3.° e 4.° deste art. 8.°, ficando apenas um § 3.° relativo ao Habeas Corpus, instituto que também merecerá reforma especial.
Ao art. 42.°, serão acrescentados dois parágrafos, assim:
§ 1.° (o actual art. 43.°) que diz: — «O Estado manterá oficialmente escolas primárias, complementares, médias e superiores e institutos de alta cultura.
§ 2.° (o actual § 3.°, do mesmo art. 43.°, a saber:
«O ensino ministrado pelo Estado visa, além do revigoramento físico e do aperfeiçoamento das faculdades intelectuais à formação do carácter, do valor profissional e de todas as virtudes morais e cívicas, orientadas aquelas pêlos princípios da doutrina e moral cristãs, tradicionais no País.
Será proposto um novo art. 43.°, assim concebido:
Art. 43.° — Ê reconhecido a todos o direito à educação e ao acesso nos bens da cultura, independentemente da sua condição social e económica.
§ 1.° — São gratuitos o ensino primário e o ensino secundário, pelos anos estabelecidos na lei.
§ 2.° — O Estado promove a acção social escolar, tendo especialmente em vista a concessão de auxílios económicos aos alunos carecidos de recursos, tendentes a tornar-lhes possível ascenderem aos graus e ramos de ensino para que possuam reconhecida aptidão.
O art. 72.° passará a ser assim redigido.
Art. 72.'°—«O Chefe do Estado é o Presidente da República eleito pela Nação, através de sufrágio directo dos cidadãos maiores de 21 anos».
§ 1.° — O Presidente da República é eleito por cinco anos e só pode ser reeleito uma vez para o quinquénio imediato.
O art. 74.° seria pura e simplesmente suprimido por anti-democrático, pois que nenhuma razão há hoje para os parentes dos reis de Portugal serem excluídos de ascender à Presidência da República.
No art. 81.°, suprimir-se-á o poder conferido — no seu n.0 6.° — ao Presidente da República de dissolver a Assem­bleia Nacional e esse n.° 6.°, virá a ter a seguinte redacção:
Art. 81.° — Compete ao Presidente da República:
6º. — Exercer a chefia suprema das forças armadas, devendo ser mantido ao corrente em tempo de paz e em tempo de guerra de tudo quanto respeita à defesa nacional.
A este art. 81.°, aerescentar-se-á o número:
Compete ao Presidente da República:
10. Nomear os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, sob proposta do Conselho Superior Judiciário.
Art. 85.°—Será o actual, passando o mandato da Assembleia Nacional a ser de cinco anos, em correspon­dência com o mandato do Chefe de Estado, devendo os dois órgãos — independentes um do outro — ser eleitos ao mesmo tempo, prevenindo-se assim futuros possíveis con­flitos e a República seria encaminhada num sentido presi­dencialista, o que hoje não sucede, devido aos grandes poderes do Presidente da República sobre a Assembleia Nacional.
O art. 87.° será suprimido. Ao art. 93.°, acrescentar-se-á mais as seguintes alíneas:
Constitui matéria da exclusiva competência da Assem­bleia Nacional a aprovação das bases gerais sobre:
h) A definição dos crimes, das penais e das medidas de segurança.
i) a criação de impostos e as garantias admitidas em favor dos contribuintes;
j) a aquisição e a perda da nacionalidade portu­guesa ;
e) A organização dos colégios eleitorais previstos nos arts. 72.° e 85.°;
m) a regulamentação das garantias de processo penal previstas no art. 8.°;
n) as garantias contenciosas contra actos ilegais de Administração;
o) os direitos, deveres e garantias fundamentais dos funcionários públicos.
A'rt. 94.° — A Assembleia Nacional realiza as suas sessões com a duração de 5 meses, a principiar em 25 de Novembro...
Art. 109.° — Compete ao Governo:
2.° Fazer decretos-leis nos intervalos do funciona­mento da Assembleia Nacional (mantendo-se a parte restante).
Art. 117.° — Passará a ter a seguinte redacção:
«Não é permitida a existência de tribunais especiais com competência para julgamento ide determinado ou deter­minadas categorias de crimes, excepto sendo estes essen­cialmente militares».
Art. 123.° — O seu § único será substituído pelos seguintes termos:
«Suscitada a questão de inconstitucionialidade, o inci­dente sobe em separado ao Supremo Tribunal de Justiça, a fim de ser emitida decisão, a qual será obrigatória para todos os tribunais e autoridades admimistrativas».
Art. 133.° e seguintes:
Deverá este Título VII—Do Ulibramar Português— ser harmonizado com a Lei Orgânica do Ultramar de 1963, — que também merecerá revisão — até para se retirar da Constituição a palavra «colonizar» que tantos engulhos tem causado à Situação, posto que ainda exista, entre nós, a Companhia Colonial de Navegação.

São estes os propósitos imediatos e concretos do signa­tário, como candidato a deputado — aliás, em harmonia com os propósitos reformistas de «liberalização» que foram prometidos solenemente aos democratas portugueses, os quais anseiam pelo cumprimento da palavra dada.
Pois, é velho o adágio:

«A rico não devas e a pobre não prometas».

Em declarações que vão seguir-se o candidato signa­tário versará a solução política nacional que preconiza, bem como um estudo sobre a nossa posição perante o direito internacional público da actualidade.

***

Temos de pôr em relevo que tudo isto foi escrito debaixo de pressão interna e externa, ou seja, sob os olhos inquisidores dos dois oportunistas e também dos supervisores do regime (incluindo nesta fórmula conceitual todas as pessoas que de alguma forma exerciam autioridade naquela altura e que se limitavam a ser correios da então denominada PIDE, mais tarde apodada de DGS).
É caso para afirmar que é verdadeira a ideia de que os extremos se tocam…aqui, na vontade de coarctar a liberdade de expressão!...

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