quarta-feira, 31 de março de 2010

DISCURSO NA CAMPANHA ELEITORAL (1961)

Breve introdução

No ano de 1961, realizaram-se eleições para a então chamada Assembleia Nacional, tendo-se organizado em Braga duas listas da oposição ao regime.
A que respeita ao discurso infra (lista "B"), surgiu como independente e separada daquela que tinha sido formada com o PC e que era tida como de "unidade" oposicionista. Podemos dizer que nela (nos seus elementos) está a base, o alicerce da que se formou posteriormente em 1969 e que surgiu aos olhos das pessoas sob a égide da CEUD, o que, em Braga, é falso, porque só havia dois elementos afectos ao Mário Soares e que faziam a ponte com ele, aqueles que se designaram atrás por “oportunistas” (na verdade, o trabalho político por eles desenvolvido limitou-se a aproveitar o que já estava realizado por outros e que tinham sido candidatos em 1961 e mesmo activos colaboradores na campanha de Humberto Delgado em Braga). Mas… essa é outra história, que será contada na ocasião própria!
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Eis o texto do mencionado discurso, dito no Teatro Circo de Braga.
Como dele consta, o Engenheiro Cunha Leal, baluarte da Oposição ao regime, presente na sessão, foi impedido de falar pelas autoridades da Ditadura.
Deverá ponderar-se que muitas das palavras usadas estão de acordo com a época, em que imperava toda a mentalidade (soi-disant bem pensante) imposta pelo regime (a Censura e a PIDE não deixavam ir mais além no emprego das palavras: era considerado um crime de lesa pátria o uso de palavras mais esclarecidas e porventura mais certeiras, tendo por objecto a mentalidade reinante).
Quanto aos nomes dos candidatos a que me refiro (que intervieram na campanha de 1961), remeto para o livro de Manuel Braga da Cruz, no qual enumera as várias campanhas eleitorais do regime e os nomes dos candidatos.
Uma referência, porém, a um colaborador que nunca foi candidato a deputado, mas que teve sempre participação activa (e fecunda) em todos os actos eleitorais, sobretudo na parte publicitária: Joaquim Nunes Cruz.
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Discurso proferido na sessão de propaganda eleitoral de 1961, no Teatro Circo de Braga, na qualidade de candidato a deputado.

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O Discurso(transcrição)

Senhor Presidente Minhas Senhoras Meus Senhores
Quando resolvi usar da palavra nesta sessão de pro­paganda eleitoral, a mim me pareceu, adivinhando já o caloroso ambiente que me ia rodear que o discurso escrito não corresponderia à vibração e entusiasmo desta hora alta de fé republicana e de belo sentido patriótico.
Eu sei que, quando há em tomo do orador uma assis­tência de cidadãos — como esta — empolgada pelo sagrado ideal da liberdade, — a linguagem se torna fácil e a sensi­bilidade apurada porque a força electrizante do auditório, o aquece e inspira.
Mas... nem eu sou orador— ai de mim! — nem pre­tendo ceder lugar à emotividade tão legítima e natural neste momento histórico em que todavia temos de medir as palavras que proferimos.
E é por isso que eu quero ser senhor — e ficar senhor — daquilo que vos vou dizer.
Consinta: Senhor Presidente, que as minhas primeiras palavras sejam de saudação ao ilustre Presidente de honra desta assembleia Senhor Eng." Cunha Leal, Democrata eminente, português de lei, cidadão valoroso, que se esqueceu sempre da sua saúde, da sua idade e até da sua vida para defender a causa suprema da nossa Pátria.
A sua presença aqui, posto que silenciosa (1), em nome de ditames autoritários, consagra mais uma vez, o rumo da sua luta e é para nós a certeza de que estamos no bom caminho — no caminho de um Portugal melhor, mais próspero, mais pacífico e mais unido, porque será o Por­tugal livre de amanhã.
Agradeço a V. Exª.", Senhor Eng.0 Cunha Leal, o sacri­fício da sua vinda a Braga, mas creia que todos nós sabe­mos extrair do seu exemplo a lição eloquente de civismo e de solidariedade que ela encerra.
Não posso deixar de lembrar também o nome do Prof. Mário Azevedo Gomes, grande condutor e orientador dos movimentos da opinião democrática do nosso País, alta figura de cientista e de patriota, que tem feito da sua existência um verdadeiro sacerdócio, em prol da semen­teira maravilhosa — ele que é um distinto agrónomo — dos ideais democráticos e republicanos.
A sua imagem, de homem de carácter impoluto, de austeridade inflexível e de inteligência poderosamente lúcida, está há muito no nosso coração e nele ficará até ao fim da nossa vida.
Quando uma causa tem a servi-la, no meio de tantas vicissitudes, — incluindo prisões em idade superior a setenta anos, — homens da envergadura moral e intelec­tual de Mário Azevedo Gomes — e igualmente de Jaime Cortesão, Abel Salazar, António Sérgio, Câmara Reis e Cunha Leal — não há dúvida que ela tem de triunfar e impor-se a todos os portugueses, como a grande e única causa da Inteligência, da Cultura e da Nação.
Quem tem a seu lado Mestres de tal grandeza não pode errar nem pode enganar-se?
Aos meus queridos companheiros das listas da Oposi­ção, que com tanta coragem se decidiram a demonstrar ao Governo que em Portugal ainda há quem se disponha a pugnar pelo futuro da Pátria para além das mistifica­ções da União Nacional, dirijo também um abraço fra­ternal, as mais efusivas saudações de admiração, de reconhecimento e de incondicional apoio.
Estamos na Roma Portuguesa, cujas glórias, como bracarense, tanto nos ufanam, até porque nelas se radicam os fundamentos históricos da Nacionalidade através da acção dos seus Prelados.
Sendo assim, nesta atmosfera de espiritualidade cristã, permita-se que distinga, com especial apreço o nosso ilustre colega de candidatura — Eng.º Lino Neto — da lista oposicionista de Lisboa, que nobremente, e dentro da mais pura concepção da sua doutrina, que é anti--totalitária, representa tão dignamente o protesto dos Católicos Portugueses contra o regime que há perto de quarenta anos nos oprime e domina — regime que para sobreviver, mesmo sobre ruínas, não hesita em prender, demitir, deportar os mais altos valores nacionais, sejam Prof. Universitários, Escritores de projecção interna­cional, Matemáticos insignes ou ornamentos luminosos da Igreja, como esse altivo Bispo do Porto, a quem daqui envio — a quem daqui certamente enviamos todos — tenho a certeza que me acompanhais — a mais comovida, respei­tosa e ardente expressão da nossa profunda homenagem!
Sim, estamos na Roma Portuguesa, na velha cidade dos Arcebispos, onde sempre foi prestado culto aos supe­riores e insubstituíveis Padrões do Espírito.
Recordo agora aquele distante ano de 1924, quando eu frequentava o liceu desta cidade.
Realizou-se, então, em Braga — estávamos em plena vigência do regime republicano, ai que saudades! e como a vida do País decorria já normalmente, depois da tor­menta ocasionada pela primeira grande guerra — aqui se realizou, ia dizendo o Congresso Eucarístico Nacional com um esplendor e uma concorrência que não mais foram atingidos.
Governava a nossa Arquidiocese esse intemerato e culto Prelado que foi D. Manuel Vieira de Matos. Efectuou--se sob a sua Presidência a mais grandiosa manifestação popular de Fé Católica de todos os tempos.
Na nossa Avenida Central a multidão aglomerou-se, enchendo-a totalmente, plena ide confiança e em absoluta ordem, no acto culminante do encerramento dessa memo­rável e bela jornada, em que a religiosidade a todos se comunicava como um fluido dulcíssimo.
Quem poderá ter-se esquecido desse dia inolvidável? Mas deixemos o passado já longínquo. Estamos numa sessão de propaganda eleitoral e deve­mos adaptar-nos aos seus objectivos que são sobretudo de esclarecimento da massa eleitoral da nossa terra.
Há quase doze anos, nesta mesma sala, tive ocasião de usar da palavra, quando da candidatura do General Norton de Matos à Presidência da República.
Hoje, que aqui volto, movido pelo mesmo entusiasmo ideológico e pelo mesmo sentimento Pátrio, sinto que a sua memória adeja, paira sobre nós, a transmitir-nos a força impetuosa de um impulso e a convicção inabalável de uma doutrina.
Norton de Matos, é a Pátria engrandecida e renovada no nosso Ultramar, é o apelo angustioso, que o Governo nunca quis ouvir — porque se julga omnipotente e omnis­ciente — em prol dia salvação do património nacional.
(Mas antes dele já Paiva Couceiro — essa gentil e valorosa figura de cavalheiro andante da Pátria monár­quico convicto, que o Governo também exilou e perseguiu como se fosse um indesejável — já Paiva Couceiro havia prevenido os portugueses da verdadeira política que se devia seguir).
Norton de Matos, colonialista de larga visão, verda­deiro profeta, continua a ser um guia precioso e uma auto­ridade hoje aceite em todos os quadrantes da vida nacional. Hoje! — e porque não ontem quando a esmagadora maioria da Nação desejava que ele ascendesse à Presidência da República, como bem demonstrado ficou nesse extraordi­nário plebiscito que foi o Comício da Fonte da Moura, no Porto!
Voltamos agora aqui num período de campanha elei­toral, campanha anormalíssima, cheia de dificuldades de toda a ordem, de restrições de liberdade de falar, de reunir, de publicar, campainha concedida apenas para dar uma ideia de perfeita normalidade e de perfeita coesão dos portugueses.
Normalidade coesão... mas como pensou o Governo que eram possíveis normalidade e coesão em tais con­dições?
A União Nacional esfalfa-se em pedir, em nome dos bous próprios e mesquinhos propósitos de facção, uma unidade que, realmente, é necessária mas que jamais poderá 8er conseguida à custa da mísera submissão a que nos querem reduzir.
Em torno do Altar da Pátria, todos, republicanos, liberais, católicos monárquicos, socialistas, dissidentes do 28 de Maio, jovens que abjuram a União Nacional, embora se confessem nacionalistas, todos podem servir dignamente, o nosso querido e imorredoiro Portugal.
É preciso, todavia, que não haja exclusões e que se edifique ia verdadeira Unanimidade Nacional para que tenhamos força e direito perante os areópagos internacionais.
Uma das fraquezas da nossa posição no Mundo, neste momento, (resulta exactamente de não termos um Governo representativo, de não haver um Governo com autêntica sanção popular.
Usando-se de todos os meios e de todos os processos, tenta-se impedir, há mais de três décadas, ia colaboração activa de um vastíssimo sector, do sector predominante da vida nacional. E quando ele, esse sector, sentindo na carne e no espírito, o drama trágico e sangrento que lá longe, se está a desenrolar, então chama-se traidor àqueles que não pretendem senão oferecer as suas vidas e as suas faculdades em holocausto da Pátria,
Aqueles que prescindem dessa colaboração e que mutilam assim as nossas possibilidades de defesa e de resistência, esquecem-se de que amanhã a História lhe pedirá contas.
A União Nacional desejava que nesta hora conti­nuássemos separados, divorciados da Mãe Pátria.
Ela, que decretou eleições, — a União Nacional e Governo são sinónimos, visto serem presididos pela mesma individualidade — estranha agora que nos apresentemos ao acto eleitoral.
Pretendia ela que nos anulássemos, que nos neutrali­zássemos para especular com o nosso. silêncio, apontando-o como uma adesão tácita ou como uma forma de ser agra­dável ao Governo.
A Pátria não exige de nós o sacrifício dessa abdicação.
Pelo contrário. Todos seremos poucos para as grandes tarefas que nos esperam.
Não queremos fazer favores ao Governo; queremos servir a Pátria e para nós não há governos, por mais notáveis que sejam, que valham uma parcela da Pátria.
Além disso, temos respeito pelas nossas dignidades cívicas e acatamos a Constituição.
Ora, a Constituição promulgou-se para todos os por­tugueses; não é a Constituição da União Nacional é a Constituição Portuguesa.
Como nos apresentamos?
Dentro da mais estrita legalidade, cumprindo escru­pulosamente todos os preceitos constitucionais.
Quem desrespeita, e até ignora a Constituição é pre­cisamente o Governo, como se verificou pelo discurso do Senhor Ministro de Estado.
Se o Governo não tinha possibilidades de fazer as eleições ao abrigo das suas próprias leis, melhor fora tê-las adiado ou ter revogado os seus textos legais para que os juristas não pudessem discutir o valor constitu­cional das suas resoluções arbitrárias.
Tinha tudo na mão e podia continuar a sua política com permanentes medidas de excepção.
A corrente republicana e democrática não podia nem devia ficar indiferente perante o significado do acto eleitoral.
Colocamo-nos na honesta posição de competir nas eleições, expusemos as nossas reclamações disciplinada­mente, como sempre; elaboramos um manifesto que foi entregue ao Chefe de Estado em que apresentamos as nossas reivindicações e falávamos das circunstancias em que, por força dois princípios que informam o nosso ideário, desejamos que decorresse o prélio eleitoral.
Não temos sido atendidos.
Tudo isto porém nada tem que ver, nem de perto nem de longe, com o grave problema do Ultramar.
Trata-se ide uma competição entre nós, portugueses, para onde fomos lançados pela deliberação do próprio Governo.
Pretender, agora, a União Nacional, que Angola seja motivo para que os democratas portugueses renunciem à sua luta e à defesa dos seus princípios, é atitude perfei­tamente absurda, perfeitamente risível, perfeitamente imperdoável.
A nossa posição é por demais clara e inequívoca; o que está em causa é o fenómeno eleitoral que terá o seu termo nas urnas.
Se se entende que não é este o momento azado para
se pôr em causa o destino do Governo tivesse a União Nacional representado nesse sentido ao poder executivo, pedindo o adiamento das eleições.
Certamente seria atendida...
Sejamos coerentes e honestos.
Não se estabeleçam confusões com o caso de Angola e penitencie-se quem tem de penitenciar-se.
Entendemos que em face da hecatombe que tivemos de suportar ao longo da extensa fronteira com o Ex-Congo Belga, a única alternativa à vista de qualquer governo era reprimir o mais eficazmente possível a rebelião.
Mas isto já o afirmámos, todos nós, claramente no Manifesto que dirigimos à Nação.
Era um dever e um direito de legítima defesa.
Daqui, porém, a concordar com a política do Governo vai uma. enorme distância.
Não é de hoje, nem de ontem a nossa profunda dis-cordância com os métodos e os objectivos governamentais.
Em todas as campanhas eleitorais, desde 1945, nos erguemos resolutamente, e conscientemente contra o Governo e, então, não havia ainda Angola a ferro e fogo, nem ameaças sobre a índia ou sobre a Guiné nem sequer ataques violentos e injustos na O. N. U. contra o nosso País, porque nesse tempo Portugal não pertencia a esse Organismo.
Como haveríamos de modificar agora a nossa atitude, se é agora exactamente que a achamos mais consentânea com as realidades, mais correcta e certa perante a evolução dos factos e mais nacional, ante as exigências da actuali­dade e do futuro?
Nunca como hoje nos pareceu tão imperativa a ideia da Unanimidade dos portugueses e nunca, infelizmente, a Pátria esteve tão carecida do apoio e da solidariedade viva dos seus filhos.
Porque se persiste em conservá-la dividida?
A hora que passa é bem pequena para que possa perder-se qualquer esforço, abdicar-se voluntariamente de qualquer auxílio.
Aproveitemo-la depressa para realizar a sublime missão de pacificar e de unir a família portuguesa.
É a hora da chamada de todos, a hora do apelo às energias e aptidões de todos nós, e não a hora de escor­raçar os muitos que formam a indiscutível maioria da Nação.
B a hora em que se exige a constituição de um Governo de concentração nacional.
Todas as pátrias como todas as famílias se unem e confraternizam quando o horizonte se ensombra de perigos e interrogações.
Esta hora pode ser decisiva para os nossos destinos.
Teima o Mundo em não nos dar audiência naquelas graves questões que envolvem a integridade, a indepen­dência, a sobrevivência de Portugal, tal como o recebemos de nossos Pais.
Estudemos todos, lado a lado, de mãos dadas os pro­blemas que nos atormentam dentro da natural evolução contemporânea das ideias e das realizações, para assim melhor fazermos valer os nossos irrecusáveis e históricos direitos de soberania sobre todo o Território Nacional de Aquém e Além-Mar.
A tarefa é gigantesca e cada dia mais se avolumam as nesgas dificuldades.
É, portanto, uma tarefa urgente, a que nenhuns olhos se podem fechar.
Comecemos já o nosso trabalho de redenção mas pana isso há uma condição prévia: é que o Governo se não pretenda confundir com a Nação, com a sua estrutura moral e intelectual, com o seu palpitante fundamento de vida e de liberdade; é que o Governo não se acoberte atrás de Portugal, de Portugal que é de todos os por­tugueses.
(1) O Eng. Cunha Leal foi impedido de falar nesta memorável sessão pública pelas autoridades reaccionárias.

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